O único propósito deste blog continua sendo o mesmo desde seu início; o de divulgar poesia. No começo eu entendia que era interessante publicar a esmo poetas e poemas, sem me preocupar muito em estabelecer certas divisões. Talvez eu estivesse errado. Portanto, mudei o perfil do blog. Agora estamos com um menu de poetas e dentro de cada um seus poemas conhecidos ou não. Não sei se a mudança será boa. Espero que sim!

Álvaro de Campos (Heterônimo de F. Pessoa)



BICARBONATO DE SODA

Súbita, uma angústia...

Ah, que angústia, que náusea do estômago à alma!
Que amigos que tenho tido!
Que vazias de tudo as cidades que tenho percorrido!
Que estêrco metafísico os meus propósitos todos!
Uma angústia,
Uma desconsolação da epiderme da alma,
Um deixar cair os braços ao sol-pôr do esfôrço...
Renego.
Renego tudo.
Renego mais que tudo.
Renego a gládio e fim todos os Deuses e a negação dêles.
Mas o que é que me falta, que o sinto faltar-me no estômago e na circulação do sangue?
Que atordoamento vazio me esfalfa no cérebro?

Devo tomar qualquer coisa ou sucidar-me?

Não: vou existir. Arre! Vou existir!
E-xis-tir...
E--xis--tir...

Meu Deus! Que budismo me esfria no sangue!

Renunciar de portas tôdas abertas,
Perante a paisagem tôdas as paisagens, 
Sem esperança, em liberdade,
Sem nexo,
Acidente da inconseqüência da superfície das coisas,
Monótono mas dorminhoco,
E que brisas quando as portas e as janelas estão tôdas abertas!
Que verão agradável dos outros!

Dêem-me de beber, que não tenho sêde!


                                                                                   20-6-1930


(ÁLVARO DE CAMPOS. Heterônimo de Fernando Pessoa. Seleção Poética. Companhia José Aguilar Editôra - MEC. 1971)