DEMASIADO HUMANO
ao Adolfo Casais Monteiro
Escancarei, por minhas mãos raivosas,
As chagas que em meu peito floresciam.
Versos a escorrer sangue eis escorriam
Dessas chagas abertas como rosas...
Assim vos disse angústias pavorosas
Em versos que gritavam... ou sorriam.
Disse-as com tal ardor, que todos criam
Esse rol de misérias fabulosas!
Chegou a hora de cansar..., cansei!
Sabei que as chagas todas que aureolei
São rosas de papel como as das feiras.
Que eu vivo a expor minh'alma nas estradas,
Com chagas inventadas retocadas...
Para esconder bem fundo as verdadeiras.
(José Régio, in Antologia. Seleção e Organização: Cleonice Berardinelli. Editora Nova Fronteira, 1985)
(José Régio, in Antologia. Seleção e Organização: Cleonice Berardinelli. Editora Nova Fronteira, 1985)
O MANEQUIM
Quando Hamlet, Gran Senhor predestinado,
Ressussitou em mim sua Loucura,
Quis eu, para o trazer de braço dado,
Modernizar-lhe o espírito e a figura:
Pondo-lhe um riso frígido e afiado
Nos lábios retorcidos de amargura,
Modelei-o num fraque bem talhado
Que lhe vincasse os gestos e a estatura.
Depois lhe abri o enigma da Ironia
Para que a sua atroz melancolia
Calçasse luvas... e ostentasse o ar fino.
Hoje, ó meu Grande! ó Príncipe de todos!
Já te posso exibir: Tens belos modos,
E sofres... mas consoante o figurino.
(José Régio, in Antologia. Seleção e Organização: Cleonice Berardinelli. Editora Nova Fronteira, 1985)