O único propósito deste blog continua sendo o mesmo desde seu início; o de divulgar poesia. No começo eu entendia que era interessante publicar a esmo poetas e poemas, sem me preocupar muito em estabelecer certas divisões. Talvez eu estivesse errado. Portanto, mudei o perfil do blog. Agora estamos com um menu de poetas e dentro de cada um seus poemas conhecidos ou não. Não sei se a mudança será boa. Espero que sim!

Bruno Rodrigues Christo



I - Suíte “A Masmorra” (Prelúdio)
... aqui estou no final do caminho, onde tudo e todos pereceram, onde não há mais oxigênio que chegue para um pulmão por demais enfraquecido. Muitas noites na solitária fria e obscura, adornada de vultos que mais pareciam anjos que não sabiam nem seus próprios nomes, durmo embalado pela candura do gotejar incessante que vem do teto como raio. Acima vejo, sem ter o que dizer, cadáveres daqueles que foram maiores do que eu em todos os sentidos; amarrados e chumbados como obra de arte grotesca, retalhados, o sangue brincando de pega-pega e perfazendo trilha pelos contornos dos rostos.
    Recobro parte da lucidez e entendo que ainda me encontro nesta masmorra. E ainda sou tão pequeno, tão frágil e já aqui nesta maldita masmorra.
    Ouço passadas fortes que tremem as poças no chão ... melhor calar-me ... não posso despertar suspeitas que ainda vivo...



II - Suíte “A Masmorra” (Minueto)
... o cheiro do coágulo já não parece mais tão acre como tempos atrás. Há muito não sinto o trepidar do apoio dos pés. Névoa de quase tranqüilidade em me guardar as costas. A dita goteira se acalmou mas os “gárgulas” ainda emanam mau agouro sobre minha cabeça.
    Num ato de extremo esforço de memória tento rebuscar numa mente um tanto embotada e nada confiável, que raios de mal fiz para estar aqui dentro; trancafiado, observado, com sérias dificuldades de respirar.
    A criança que era conseguiu escapar talvez pelas frestas que minha imaginação teimam em desenhar. Foi muito generosa deixando aqui um não-criança-não-adulto que tentou voltar e não conseguiu (digo, voltar a ser criança) e se lançou à frente querendo tenazmente atingir a outra margem, mas, retido por forte correnteza estagnou netsa encruzilhada de dor e pavor.
    Concentrei-me em tentar estabelecer algum tipo de contato com a criança mas creio que o frescor da liberdade, o aquecer dos raios matinais e o eterno ir e vir dos alísios lhe preencheram os ouvidos e a alma e a vida e a mente e o ser.
    Não tem porta! Como pode isso? Não entendo. A masmorra não tem porta! Deixe-me ver com cuidado... hum... não... aqui também não... nem aqui... sem porta. Definitivamente!
    Eu preciso entender tudo isto. Recordo-me de ter acordado aqui ainda menino. Longo tempo já ficou pra trás e ainda continuo aqui. Só agora percebo que não tem entrada nem saída, claro! Por gentileza, ajude-me a entender esta parafernalha.
    Volta a angústia a me espezinhar, alfinetando idéias torpes de negação, de nulidade. Talvez este seja o meu mundo. Quatro paredes, um chão manchado e um teto cravejado. Não me lembro direito das coisas daqui mas tem que haver algo mais bonito além desta masmorra imunda!


III - Suíte “A Masmorra” (Sarabanda em andamento Allegro ma non troppo)
    Sinto a presença de alguém. Está tudo tão turvo que não consigo enxergar. Há alguém aqui nesta maldita masmorra, mas quem será? Como entrou? Não tendo porta, nem janela, como pôde vir até aqui? Se ao menos pudesse ver com nitidez... cabelos longos, longas roupas, é, será? Bem, parece uma mulher. Que estou pensando??? Não pode ter ninguém aqui comigo. Nunca houve ninguém aqui. Devo estar sofrendo os efeitos tardios da insanidade. A silhueta permanece imóvel, como a me tentar a fazer algo como saltar em cima dela e rasgar-lhe as vestes.
    Aproxima-se. O que era difuso, sem muita cor, já apresenta sob os auspícios de um olhar aquilíneo. Parou.
    - Quem és? És mulher? Que faz aqui? Como entrou? Tem alguma saída?
    - Não consigo entender como alguém consegue fazer tantas perguntas ao mesmo tempo! A pessoa quando deseja saber algo faz uma pergunta de cada vez, com calma, querendo realmente obter uma resposta; várias perguntas me levam a pensar que você não tem o mínimo interesse em saber coisa alguma. O que você quer que eu responda primeiro?
    - Perfeito! Quem é você senhora?
    - Quem sou eu? Quem sou eu... eu... quem sou... sua velha e eterna companheira.
    - Cheguei aqui criança, nunca saí. Sou adulto agora e não posso ser casado!
    - Casamento! (risos) Isto é você quem está dizendo. Acompanho-te desde a tua chegada. Sei como viestes, o que fazes aqui e até mesmo para aonde irás!
    - Tu tens nome?
    - Solidão. A tua solidão!
    - Imaginei... algo em ti era muito familiar.
    - Sempre me procurastes e eu adorava me esconder por entre as árvores. Bem pequenino corrias para o bosque. Eu sempre estava em algum galho alto. Uma das melhores sensações do mundo era ver você correr, olhar ansioso para os lados e para os lados dos lados e não me encontrar. Tão curioso, agora bem me recordo, você agachava como se quisesse olhar por debaixo das árvores...
    - Saberia me dizer como é que vim parar nesta porcaria de masmorra? Quando verdadeiramente entrei aqui? O motivo?
    - Novamente a enxurrada de perguntas... quando vais aprender hein?
    - Já chegaste aqui adulto e não criança. Bastante tenso vi em ti um enorme carinho pela minha pessoa. Observo-te desde então.
    - Há quantos anos estou aqui?
    - Anos não, horas...
    - Ahnnnnnnnn?????
    - Cale-se! Ouça com cuidado o que vim lhe dizer! Não o quero mais no meu encalço. Não suporto mais essa tua cara de vassalo. Caso queira sair daqui eu sei bem como fazê-lo.
    - Quero sair. Podemos ir para o tal bosque que você mencionou?
    - Te levarei mas preciso te trazer de volta à masmorra. A regra é: tem que sair daqui sozinho. Sair definitivamente. Dar um passeio eu posso te ajudar.
    - Então vamos...



IV - Suite “A Masmorra” (Fuga em Lá menor)
     Esse bosque é tão lindo! Um dia gostaria de vir aqui sem esta senhora ao meu lado. Saí do claustro como por conta de mágica sem ter noção exata de todo o processo que me pinçou de lá de dentro e imediatamente me largou aqui.
    Árvores. Enfileiradas com absoluta precisão. Duvido muito que tenha sido trabalho de mãos humanas.
    Espere um pouco! Aonde está a tal mulher? Para onde será que ela foi? Está ali, em cima daquela flor roxa. Combina com os olhos dela. Parece estar dormindo... ela é tão estranha...
    Que barulho é esse? Uma criança brincando com uma bola colorida... linda menininha... cheia de cachinhos dourados, olhinhos doces, sorriso de quem não se preocupa com a vida nem tampouco com a morte.
    - Senhora Solidão! Acorde por favor!
    - Não me chame de senhora; sou uma senhorita. Nunca me casei afinal sou a Solidão...
    - Que seja! Gostaria muito de saber quem é aquela menininha!
    - Pergunte a ela homem!
    - Menininha, ei, fale comigo! Quem é você?
    A criança continuava brincando com sua bola colorida, tranqüila, entregando toda sua pureza através do seu sorriso único e não tomou sequer ciência de que havia alguém lhe chamando.
    - Senhorita, ela não me ouve. Queria tanto que respondesse mas parece que estou invisível para ela.
    - E está!
    - Como isso?! Eu a vejo, a ouço, me alegro com a sua simples presença e ela não pode me ver? Nem ouvir? Não pode ser verdade... impossível... estás me enganando!
    - Provável que ela não queira falar contigo. Eu a conheço, a admiro de longe, sempre foi assim, meiga, viva, descompromissada.
    - Se sabes quem ela é porque então não me respondes?! Qual o nome dela?
    - Ainda muitas perguntas. Um dia, creio, aprenderás a lição de não perguntar em demasia.
    - Hora de voltarmos. Consegui te trazer até aqui mas agora tenho que lhe devolver à masmorra. Vamos! Vamos!
   - Acalme-se! Só mais um pouco, por favor. É tão agradável contemplar essa doce menina...
    - Chama-se Liberdade. Agora chega de conversa fiada. Precisamos retornar antes que seja tarde.



V - Suíte “A Masmorra” (Finale Perpétuo)
    Ahn? Que foi isso!? Solidão? Liberdade? Que pesadelo terrível. Estas paredes estão me matando! Quem sou? Por que estou aqui? Me salvem! Ei você, que está lendo isto, retire-me daqui, tenha compaixão, nada fiz de mal. Tudo fede, estou imerso numa atmosfera podre demais, azedo, sangue, sangue, cabeças decepadas por todos os cantos, espinhos, âncoras, cruzes, caixões... Para que tantas espadas? Essas armaduras medievais vão me aleijar, não, não, a menina preciso dela, vá chamá-la agora, anda, levanta daí já, isso é uma ordem, vai, chama a menina dos cachinhos dourados, cachinhos, cachinhos, ela vem? Vem? Responda-me, olha ela ali sentada...que bom... Menina, fale comigo... não faça esta cara de choro para mim, cadê seu sorriso, sua bola colorida, está ferida, não posso aceitar isso, ela está ferida, pelas marcas foi duramente açoitada, quem, diga-me, quem teve a audácia de lhe ferir desta maneira? Estás toda borrada de tinta, porque, quem fez isso, ahn... a Solidão, aquela velha louca, insana, eu poderia matá-la se estivesse aqui.
    Não, não morra aqui, não dentro da minha masmorra, volte ao bosque, fique por lá mesmo, não morra aqui dentro, por favor, isso aqui é imundo demais para você...


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São teus esses olhos?
Ah! Não acredito,
tu comprastes em algum lugar.
Meio verdes meio azuis?
Tu comprastes com certeza!
Leviano eu?
Não me diga,
tu que me vem
com esses olhos,
mistura de cores,
esmeralda e céu de verão
olhos tão lindos, tão vivos
que não podem ser reais.
Da onde vieram teus olhos?
Não fazem parte de ti,
tem vida própria,
esses que ainda nada viram
nem o amor
nem a dor
apenas as próprias cores
num reflexo infinito...
Da onde vieram teus olhos?

******

Deste lugar onde estou
posso ver os pássaros
indo em direção ao sul.
Voando em formação,
eles parecem indicar
que para aonde vão,
tudo é um pouco mais tranquilo.
Um céu acinzentado os observa
e eu daqui também,
a eles e ao céu,
eles negros,
céu cinza,
parece que tudo está acabando,
parece que fogem sem rumo,
queria ir junto com eles...

******

Onde estão os meus versos?

Sei que devem estar por perto,
sinto o cheiro deles,
a energia que sai das letras juntas
só podem estar perto,
mas onde?
Não sei...
Talvez estejam se escondendo,
cansados, rotos,
guardados em algum lugar escuro,
que ninguém mais se lembra,
meu versos,
onde estão os meus versos?

******

Aquelas mechas vermelhas,

meio presas, meio soltas,

pulavam suavemente,

embaladas por tal “dandara”

que, feito ninfa,

vinda do nada,

veio rodando,

ando, ando, ando,

e não parava de sorrir,

nem de cantar...

Os brincos bailavam

no seu rosto de tanto rodar.

Meus olhos vigiavam o meigo sorriso

daquela que veio do nada

rodando, ando, ando...

veio trazendo alegria,

de quem vê a vida

não de baixo

mas de cima,

e rodando, ando, ando,

e parecia que nunca mais

iria para de rodar...

e viu-me com olhos de anjo,

e eu com olhos de lobo,

lobo este que em tempo,

tratei logo de expulsar,

dos olhos que ela olhava,

os meus, que não são de anjo,

mas que não quero nunca

que sejam de lobo,

nunca,

não para ela,

ela que veio rodando, ando, ando...

feito anjo perdido,

tentando voltar ao seu trono,

e se ela tiver que ir embora,

que não me dê as costas,

mas vá rodando, ano, ando...



******


O anjo está lá

no gesso, imóvel

olhando-no, passivo

com ar de divino

coberto de branco,

o branco da tinta,

o branco do nada,

branco, vazio, infinito,

e desolador também!

Eu não satisfeito,

com toda aquela beleza,

quebrei-lhe as asas,

furei um dos olhos,

risquei com carvão

o peito do anjo divino

joguei-lhe a terra que estava

do lado daquele caixão

e quis rachar-lhe ao meio,

mas não pude fazê-lo;

apenas chorei, chorei,

não por ter profanado

aquilo que tantos adoram

aquilo que tantos respeitam,

mas por ter feito dele,

o anjo, divino,

alguém assim como eu.



******





Tudo isto aqui em cima

pode ser bem entendido

se houver quem explique

e para isso

há que alguém entender!

Eu não entendo...

Por que não limparam este sótão

tão empoeirado

não se pode respirar aqui

com toda essa poeira de carne humana...

Vê no chão os corpos?

Cuidado! São muito antigos

e ainda têm carne.

Tento entender tudo isso

mas não consigo.

Infelizmente... quem eram eles?

Hum, deixe-me ver

parecem soldados...

Mas no sótão?

Soldados no sótão? Que fazem aqui?

Será que alguém

os deixou aqui?

Mas deixe eu pegar logo a bola,

foi isso que vim fazer

pegar a minha velha bola

vermelha, verde e azul,

cada cor um gomo,

deixe-me ir agora e brincar.




******


Os reflexos daquele maldito espelho

ainda me cegam a alma.

Tento lembrar-me de como eu era

mas a imagem não deixa

a ilusão vencer a realidade.

O antigo mora na memória

e na lembrança dolorosa

de ter sido e não ser mais

e a imagem ainda ali,

forte, firme, auto-centrada

Ahhhhhhhhh!!!!!!!!

Não há como voltar, a imagem não deixa.

Impede uma lembrança agradável

Quem dera a ilusão dominar!

a verdade, quem dera, quem dera

quem dera não tivesse a imagem

ou não houvesse a lembrança,

quem dera...

A dor consistem

em ambas existirem...



******





Os sons ainda me aterrorizam,

ver aquela velha cabana

ser trespassada por alísios vindo do nada,

ainda me causa tremores.

Leve frêmito de dúvida

e, por vezes, de certeza

de ver a velha cabana,

ali, quase suspensa pelos ventos bravios.

As meias-janelas cantam,

antigas e saudosas cantilenas singelas,

trazidas pelos alísios, em rangido,

rugindo saudades de gente

que há muito

deixaram de existir

e outros

que nem sequer pisaram

neste mundo

e homens e mulheres do mar,

que viveram lá,

amaram lá,

morreram lá...

Ouçam as cantilenas...


******



... neste ponto, cabe uma pergunta.

Há muito venho querendo saber...

Por quem os sinos dobram?

Parece sem nexo ou então sem função,

mas é por demais importante saber,

por quem os sinos dobram.

Já ouvi, não raro, que eles dobram

por mim, por ti, por todos.

Olhe bem para isso, veja,

neste momento não me cabe opinar,

contemple, relembre, examine...

Agora deixe eu te dizer,

não me queira mal por gentileza.

Fatos são fatos e precisam ser ditos.

A verdade, verdade mesmo,

é que os sinos não dobram por ninguém.

Isso pode causar espanto, dor,

angústia ou medo...

Também causa em mim tudo isso!

Mas preciso falar. Os sinos não dobram.

Nunca dobraram.

Duvido muito que dobrem algum dia.

E, no caso de querer saber

o que me leva a essa conclusão

saiba já, de pronto, de antemão

que não é excesso de coragem; com certeza não.

Coragem nada tem haver com isso!

Apenas a loucura irrestrita, assumida,

dá ao homem respaldo para chegar a ver,

que os sinos nunca saíram do lugar.

Todos eles estejam talvez,

caprichosamente quietos,

a espera de mãos boas, alvas, sem manchas,

que os façam tocar e tocar,

ir e vir e ir e vir,

Ou ainda, eles esperam

que ninguém mais acredite

para que possamos ouvir seus brados.

Nada disso, enfim, é importante.

Lembre-se apenas disso:

Os sinos não dobram, não dobram...




******



Eis aí teu rosto. Muito anguloso.

Pouco expressivo. Que escondes?

Fartos enganos? Dores da alma?

Creio que tua doçura,

algum grau de meiguice

poucas tintas nas mãos,

devem ser coisas passadas (ou passageiras?)

Donde vem tua dor? Teus olhos reclamam!

Onde está teu repouso?

Sabes bem que me chamas!

Foges de mim? Foges de ti?

Talvez seja um pouco cedo,

ansiedade buscar-te a brandura

tua sombra que nega a morte

tuas pegadas denunciam temor.

Por que me criticas?

Entendo...

Não! Não concordo!

Veja também o meu lado!

O que?

Que vês?

Me vês? Não...

Te vês!


******




E tudo quanto há de mais belo
de mais sacro, de mais agradável
de mais puro, de mais sublime
tudo o quanto há neste mundo,
transbordante de beleza
de amor
de paz
de luz
de candura
Vem a mim pelo teu sorriso,
meigo, doce, leve, franco...
Se ao menos me restasse sombra de fé
agradeceria aos céus ter recebido
muitas e muitas vezes teu olhar
que adorna a beleza de todas as flores
de todos os jardins, de todas as casas,
de todo o mundo.


******


Posso sentir aquele vento frio,

não tão cruamente frio,

deslizando e opondo-se a mim,

fazendo tipo de guerra

contra meu cenho franzido.

Ele me leva a pensar

em tudo quanto tenho dito

em tudo quanto tenho feito

e há nele certo grau de dor,

certa loucura, certa candura.

Lá no final, naquela outra pedra

pedra que fala com a outra,

na verdade a minha,

a que me sento,

parece que estou lá e cá,

isso!  ao mesmo tempo.

Estou aqui, olhando pra lá,

vendo-me e doando-me,

ele me chama...

atiro-me daqui pra lá,

paro, penso, olho, creio, sorrio, lamento, tento, desisto!

Me afogo...


******




E tudo quanto há de mais belo


de mais sacro, de mais agradável


de mais puro, de mais sublime


tudo o quanto há neste mundo,


transbordante de beleza


de amor


de paz


de luz


de candura


Vem a mim pelo teu sorriso,


meigo, doce, leve, franco...


Se ao menos me restasse sombra de fé


agradeceria aos céus ter recebido


muitas e muitas vezes teu olhar


que adorna a beleza de todas as flores


de todos os jardins, de todas as casas,


de todo o mundo.



******




A Jangada


Toco velho, roto, queimado


que não serve nem para os ratos,


o jangadeiro cuida, limpa, zela,


pinta, bota na água


e faz a jangada.


******

(à Gustavo Badolati Racca)


As gravuras, aquelas,

que nos desafiam a compreensão,

parecem mais totens

que voam aos nossos olhos

e que nos remetem

ao mundo dos traços,

semi-certos,

semi-retos,

semi-tortos,

mundo de poucos espaços,

mundo de mudos traços,

mundo das impressões,

das digressões,

das conclusões,

das condições e interpretações,

que nem eu nem você,

somos sequer capazes,

isso mesmo,

sequer capazes de desafiar,

ou de entrar,

ou de falar,

apenas estamos aqui,

vivos, observando estas gravuras...



******



     Fale-me dos vossos sonhos. Conte-me. Diga-me com calma, com vagar, tudo que há imerso em vossa alma nobre. Quanta esperança existe em vosso sorriso? Quanta candura não há atrás do vosso eu-arredio? Acalma-te! Não são ordens! São suaves pedidos de quem quer vê-la brilhar como esmeralda ao sol do meio dia; esmeralda que copiou desgraçadamente o verde denso dos teus olhos.

     Já havia mencionado antes. Nobre, alma muito nobre. Por que ofuscas a tua beleza? Por que não berra aos ventos tua ânsia de colo, tão nítida, com prantos de dor e alegria? Vossa nobreza precisa de campo, de espaço aberto, precisa de quem olhe, com cuidado, zelo, atenção, precisa do orvalho do sim, do não, da confissão dura de que nada lhe cabe a não ser a toga púrpura da nobreza.



    Continue, siga! Vá! Não pare na sombra! Ela não combina com tua armadura, cheia de pompa e de brandura. Afaste-se já desta espada. Tire-a das mãos, largue aí mesmo, e isso sim é ordem direta. O brilho frio e cruel da lâmina embota o verde-esmeralda dos teus olhos aonde tudo fica mais claro, mais queto e mais feliz.



******



Esperei-te todos esses anos,

aqui sentado,

debaixo desta árvore forte

e não viestes.

Esperei-te nos meus sonhos

devaneios, delírios, surtos

esperei-te no escuro,

e não viestes.

Esperei-te na minha dor,

nas argolas, nas grades,

no claustro e na água

e não viestes.

Se estás por perto grita!

Esbraveje um olá, um oi,

berre meu nome,

ainda que com ravia,

melhor que nada!

Tua lembrança me sangra

corrói o meu eu

rasga tudo o que tenho,

de melhor e de pior

mas me mantém vivo...

...Madame Butterfly...

how I Love you ‘n

how I understand you…

I need you so much, darling

Butterfly…Madame Butterfly…

Puccini, Puccini, muito obrigado.

Esperei-te e não viestes

jurastes eterno amor,

falastes que ainda que

céu virasse terra,

e terra virasse céu,

voltarias de lá,

dos campos das aventuras,

dos campos onde tudo isso,

tudo, tudíssimo,

é possível e perfeito,

mas não viestes!

Choro...


******



Enquanto tento dormir
ninado por esta ausência acre
morro lentamente
pensando em ti, na tua cor
no teu sorriso que mata.
E recordo que a morte,
e a vida, nada mais são
que o tudo e o nada.
E se não compreendes,
tentes num dia de sol, de céu limpo e brilhante,
tente morrer, não em morte,
como falam,
mas tentes tu,
morrer em vida,e com certeza entenderás.
Luto, luto muito para acordar,
e sair,
e fugir deste que é e sempre foi
meu grande pesadelo,
e não posso, não consigo,
a lembrança da dor
acorrenta-me feroz, feroz
e tudo o que posso,
e que sei dizer é,
levanta-me, levanta-me
...ouçam, ouçam...
trompetes-vivos-cizos-loucos...
ta...tanan...tatam...tatanam...
tururu-ru-tu-tu
pra que tantas luzes,
não as quero nem preciso
esta barulheira infernal!
Música boa, isso, isso mesmo,
boa música, trocaram o trompete,
esse é mais lento, melodioso,
parece mais alguém
falando em tom de segredo
algo sobre ela, ausente
que se foi e deixou o rastro
que ainda ocupa certo espaço na sala.
Certa vez, não sei quando
nem onde nem porque,
Sophia disse
que nunca um navio soltou-se do cais
e foi-se sem que ela não estivesse
dentro dele.
Sophia, Sophia, que sabe o que digo,
e não me conhece, e nunca me viu,
doutora em ausência,
dona de um silêncio prolixo.
Sophia, Sophia...
Será que ela se foi junto com Sophia,
num desses navios que zarparam?
Não, provável que não,
não gostava do mar, não,
nem do sol, nem do sal,
não, não, não...
... deve estar escondida,
debaixo da própria sombra,
mas como tirá-la, como?


Não dá, não mesmo...



******


Dez passos para se escrever boa poesia

1) Ame as flores, suas cores, principalmente as rosas.

2) Nunca coma ovos fritos no desjejum.

3) Viaje sempre e sempre retorne ao lar.

4) Embriague-se de você mesmo ou de um uísque doze anos.

5) Adore o azul, seja lá aonde ele estiver.

6) Nunca leia grandes poetas, somente os medíocres.

7) Beba uma garrafa de café bem forte por dia até criar uma úlcera no estômago.

8) Jamais entre num sanatório; você pode não conseguir sair.

9) Ame Van Gogh, Chagall, e Delacroix. Depois os outros.

10) Esqueça tudo isso e escreva.




******


Entrei  na catedral,

aquela  que Barrios pôs em partitura,

entrei em meus  sonhos,

e te digo sem nenhuma dúvida,

que nunca houve lugar nenhum

como aquela catedral.

Não me recordo como era por fora

Já me vi em meio aos seus átrios,

contemplando toda aquela imponência.

Eu impotente, petrificado,

admirando cada detalhe,

cada entalhe, cada duelo de cores,

cada imagem, até chegar na cruz.

Demorei-me nela,

madeira rústica,

um homem de metal cravado nela,

braços estendidos,

espinhos no alto da cabeça

parecia semi nu,

o que achei um desrespeito,

um homem meio coberto por um pano roto

num lugar tão bonito como aquele.

Profanava toda a beleza

que havia no ambiente,

e pior,

o tal homem ali, humilhado

deixava escapar um largo sorriso,

e me olhava nos olhos,

estava claro que ria de mim...


******



Este  lago,

que remete à minha infância,
tão plácido, sereno,
onde de vez em quando,
passeia uma folha bem verde,
expulsa de uma árvore por um alísio,
desfila sem destino pelo espelho d’água.
Ela parece mostrar um caminho,
que leva ao nada,
nada que eu tanto sonho em conhecer,
mas tudo é alguma coisa,
o nada é só uma idéia vaga,
o refúgio dos cansados,
dos fracos, dos desesperados.
Acompanho a folha com os olhos,
ainda tentando descobrir,
se há ou não um nada
onde eu possa me esconder,
mas a folha vai se perdendo,
no lago...
O lago é o nada,com certeza,
se não a folha não estaria ali...
Mergulho no nada...


******

De  onde será que vêm
todos  esses fantasmas,
que insistem em me atormentar?
Eles aparecem do nada,
em qualquer lugar,
e deixam claras as suas presenças,
apesar de eu não os ver,
não os poder tocar,
nem estabelecer um diálogo qualquer,
sinto eles ao meu redor,
brincando de roda.
Querem me tirar
o resto de lucidez que ainda tenho
para que eu fique como eles,
fantasma, louco,
mas a luta não será fácil,
nem para eles nem para mim.
Sei bem que estou perdendo,
devo sucumbir em algum momento.
Eles me tomarão da razão,
deste mundinho belo e podre,
e me levarão direto para o deles,
o universo da loucura.
Já lutei muito contra todos eles,
os resisti por tanto tempo!
Mas, agora, as forças me fogem,
e eles continuam, não vão parar,
até me levarem com eles. 


******



Todas  essas vozes,

que atormentam meu ser,
que fazem de mim escravo,
escravo da dor, escravo do amor,
dor,
dor de dores,
de amores,
dor da vida azeda e rota,
dor do mal, do mal do homem,
dor, apenas dor,
dor do escárnio,
dor do agravo,
dor do escarro,
dor do fracasso...
Calem essas vozes
do passado, do presente, do escuro,
calem essas malditas vozes,
fechem essas malditas feridas,
amordacem as bocas que as dão vida,
que produzem essas vozes,
vozes, vozes, vozes,
vozes de dores,
de amores,
de dissabores!
Por piedade,
calem essas vozes,
calem, calem...


******
Quando aqui no fundo,

no fundo da minh'alma,
no fundo do meu amor,
da minha dor,
neste cárcere,
tudo parecia tão cinza,
tão frio, tão morto,
chega-me o teu olhar...
Ah! O teu olhar,
de mistério, de candura, de amor,
olhar que mostra a vida tão bela,
olhar em que um homem se perde
e não se encontra jamais,
teu olhar,
olhar de esperança,
de mulher-criança,
olhar que mata,
de prazer e de amor,
apenas por ser o que é,
um olhar de deusa,
de ninfa, poetisa,
um olhar de esperança,
que vê a vida em cores,
enquanto eu vejo tudo em cinza,
difuso, escuro,
mas eu resisti... ao teu olhar eu resisti...
Ai veio teu sorriso
emoldurado pelo contorno
dos teus lábios,
lábios de carne, de amor,
de paixão, paixão que arde,
aqui,
aí,
por um,
por outro,
que um?
que outro?
Só a vida sabe...
Ah! Esses lábios,
esculpidos por exímio artesão,
lábios de paixão,
que trazem luz ao meu cárcere,
que me dá tua bela arte,
tua poesia, tua alma,
que vem do teu desejo de mulher,
da tua candura de menina
Ah! Teus lábios...
mas ainda assim os resisti... resisti...
E o rosto?
Como disse antes,
esculpido em carrara,
o rosto do futuro,
do amor, da arte,
da vida, da moça,
da mulher, da poetisa,
da deusa,
que me chama para fora do cárcere
mas eu sou eu e os meus medos.
Ah! Os meus medos...
Tua luz me intimida,
deusa, poetisa, deusa,
tua luz clareia minha sombra...
Não faça isso!
Habituei-me ao escuro,
meus olhos não suportam tua luz,
sou um escravo do breu,
do medo,
do gueto,
da dor,
Não me resgate!
Por tudo que é mais sagrado,
não me tire daqui.
Sou o oposto de ti,
tenho alma rota,
torturada, deformada,
mas no fundo, no fundo,
teu cheiro, teu rosto,
me estigam a querer sair daqui,
não!
por favor não!
Não me tires daqui...
Apenas me dê a tua arte,
tua poesia,
e assim talvez
eu sobreviva um pouco mais...